«Que o pobre e o indigente possam louvar o teu nome» (Sl 73,21). Com efeito, que pobreza maior e mais santa pode haver que a de um homem que se sabe totalmente desprovido de e de meios de sustento, e que todos os dias pede o auxílio de que necessita à generosidade dos outros; que percebe que a sua vida e todo o seu ser são a cada momento sustentados pela assistência divina e se proclama com razão mendigo do Senhor, clamando todos os dias com voz suplicante: «Sou um pobre homem, um mendigo, mas Deus é o meu sustento»? O próprio Deus o iluminará, para o ajudar a ascender ao conhecimento multiforme do seu Ser; e ele ficará saciado com a visão dos mistérios mais sublimes e ocultos, como diz o profeta: «Os penhascos são o refúgio dos ouriços» (Sl 103,18,Vg). […] Quem persevera na inocência e na simplicidade não faz mal e não é um peso para ninguém. Contente com a sua simplicidade e só com ela, apenas deseja um abrigo que o proteja de se tornar presa dos seus inimigos. Tornou-se como que um ouriço espiritual, que encontra abrigo e proteção debaixo da pedra de que fala o Evangelho: protegido pela memória da Paixão do Senhor e a meditação incessante […], escapa a todas as ciladas e ataques do inimigo. São estes os ouriços espirituais de que fala o Livro dos Provérbios: «os ouriços, seres sem poder, que fazem dos rochedos a sua habitação» (Prov 30,26,LXX). Pois quem é mais fraco que um cristão, mais enfermiço que um monge?
São João Cassiano (c. 360-435) fundador de mosteiro em Marselha – Sobre a oração, cap. X; SC 54