A paixão de todo o Corpo de Cristo

Dos Comentários de Santo Agostinho, bispo, sobre os salmos
(Ps. 140, 4-5: CCL 40, 2028-2029) (Sec. V)

   Senhor, por Vós clamei, socorrei-me sem demora. Isto podemos dizê-lo todos nós. Não o digo eu; é o Cristo total que o diz. De facto, estas palavras foram ditas especialmente em nome do Corpo, porque, enquanto o Senhor estava neste mundo, orou como homem, e orou ao Pai em nome do Corpo; e, enquanto orava, caíam de todo o seu Corpo gotas de sangue. Assim está escrito no Evangelho: Jesus pôs-Se a orar mais intensamente, e suou sangue. Que vem a ser este derramamento de sangue de todo o Corpo, senão a paixão dos mártires de toda a Igreja?
   Senhor, por Vós clamei, socorrei-me sem demora; escutai a minha voz quando por Vós clamo. Julgavas ter terminado de vez o teu clamor ao dizer: Por Vós clamei. Clamaste, sim, mas não te creias já em segurança. Se findou a tribulação, findou também o clamor; mas se continua até ao fim dos séculos a tribulação da Igreja e do Corpo de Cristo, não basta dizer: Senhor, por Vós clamei, socorrei-me sem demora; mas também: Escutai a minha voz quando por Vós clamo.
   Suba até Vós a minha oração como incenso, elevem-se as minhas mãos como sacrifício vespertino.
   Todo o cristão sabe que esta expressão costuma atribuir-se à própria Cabeça da Igreja. Na verdade, foi ao cair da tarde daquele dia que o Senhor voluntariamente entregou na cruz a sua vida, que viria a retomar. Também aqui estávamos nós representados. Com efeito, o que esteve suspenso na cruz foi o que Ele tomou da nossa natureza. Como seria possível que o Pai abandonasse algum momento o seu Filho Unigénito, sendo ambos um só Deus? Todavia, ao cravar a nossa frágil natureza na cruz, sobre a qual, como diz o Apóstolo, o homem velho foi com Ele crucificado, clamou com a voz da nossa humanidade: Meu Deus, meu Deus, porque Me abandonastes?
   Eis, portanto, o verdadeiro sacrifício vespertino: a paixão do Senhor, a cruz do Senhor, a oblação da vítima salutar, o holocausto agradável a Deus. E na ressurreição, aquele sacrifício vespertino converteu-se em oferenda matinal. Assim, a oração que se eleva, com toda a pureza, de um coração fiel, é como incenso que sobe do altar santo. Nenhum outro perfume é mais agradável a Deus; este incenso todos o devem oferecer ao Senhor.
   Por isso, o nosso homem velho – são palavras do Apóstolo – foi crucificado com Ele; e acrescenta: para que fosse destruído o corpo do pecado, não sejamos mais escravos do pecado.

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