Sal da terra e luz do mundo
Vós sois o sal da terra. A palavra que vos é confiada, diz o Senhor, não se destina só a vós mas ao mundo inteiro. Nem vos envio a duas, a dez ou a vinte cidades, nem a um só povo, como no tempo dos Profetas, mas à terra, ao mar e ao mundo inteiro, a este mundo tão pervertido. Ao dizer: Vós sois o sal da terra, o Senhor declara que toda a natureza humana perdeu o sabor e está corrompida pelo pecado. Por isso exige dos discípulos as virtudes que são mais necessárias e úteis para a salvação dos outros homens. Quem é manso, humilde, misericordioso e justo não possui estas virtudes só para seu proveito, mas faz com que essas fontes excelentes corram também para utilidade dos outros. E quem é puro de coração, amante da paz e da verdade, dedica a sua vida ao bem de todos. Não penseis, parece dizer, que sois chamados a pequenas lutas ou a empreendimentos insignificantes: Vós sois o sal da terra. Que significa isto? Que eles tornaram são o que tinha apodrecido? De modo algum. De nada serve deitar sal ao que já está podre. Não foi esta a função dos Apóstolos; o que eles fizeram foi deitar sal e conservar em bom estado os corações que o Senhor lhes confiara depois de os ter renovado e libertado da corrupção. Libertar da corrupção do pecado foi obra do poder de Cristo; mas não recair no precedente estado de corrupção é fruto da diligência e solicitude dos Apóstolos. Repara como Ele vai mostrando gradualmente que estes são superiores aos Profetas. Não diz que são mestres da Palestina, mas de todo o mundo. «Não vos admireis, portanto – parece dizer‑lhes Jesus – se vos falo a vós de preferência a tantos outros e vos chamo para enfrentar tão graves dificuldades. Considerai o número e a grandeza das cidades, povos e nações a que vou enviar‑vos. Por isso quero que não vos limiteis a ser prudentes para vós mesmos, mas que torneis os outros semelhantes a vós. Se assim não for, nem sequer a vós podereis ser úteis. Na verdade, se os outros perderem o sabor, podem recuperá‑lo pelo vosso ministério; mas se sois vós que vos tornais insípidos, arrastareis também os outros com a vossa ruína. Quanto mais importantes são os encargos, tanto maior deve ser a vossa solicitude». Por isso diz Jesus: Se o sal perde o seu sabor, com que o havemos de salgar? Não serve para mais nada senão para ser lançado fora e pisado pelos homens. E para que não temam lançar‑se para o combate, ao ouvirem aquelas palavras: Quando vos insultarem e perseguirem e disserem toda a espécie de mal contra vós, diz‑lhes de modo equivalente: «Se não estais dispostos a estas provas, em vão fostes escolhidos. São certamente inevitáveis estas maledicências; mas em vez de vos prejudicarem, serão testemunhas da vossa firmeza. Contudo, se o temor das afrontas vos leva à simulação e cobardia, então será maior o vosso sofrimento: todos falarão mal de vós e sereis para toda a gente objecto de censura e escárnio. É isto que quer dizer ser pisado pelos homens». Depois continua com uma analogia mais elevada: Vós sois a luz do mundo. Novamente se refere ao mundo: não a um só povo nem a vinte cidades, mas a todo o orbe da terra; e a luz, como o sal de que antes falou, deve entender‑se em sentido espiritual, luz mais esplendorosa que os raios do sol que nos alumia. Fala primeiro do sal, depois fala da luz, para mostrar a grande eficácia que tem uma pregação vigorosa e uma doutrina exigente e luminosa. Deste modo nos obriga a seguir uma certa norma na pregação, sem divagações inconvenientes, para que ela possa iluminar a vista de quem nos rodeia: Não se pode ocultar uma cidade situada sobre um monte, nem se acende uma lâmpada para a colocar sob um alqueire. Com estas palavras insiste o Senhor na perfeição de vida que hão‑de levar os seus discípulos, estimulando‑os à vigilância e à solicitude pela própria santificação, porque estão expostos ao olhar de todos os homens e travam o seu combate diante de toda a terra.Das Homilias de São João Crisóstomo, bispo, sobre o Evangelho de São Mateus
(Hom. 15, 6.7: PG 57, 231-232) (Sec. IV)