O Senhor compadeceu-Se de nós

Dos Sermões de Santo Agostinho, bispo
(Sermão 23 A, 1-4: CCL 41, 321-323) (Sec. V)

   Somos verdadeiramente felizes, se pomos em prática o que ouvimos e cantamos. De facto, o que ouvimos é a semente, e o que pomos em prática é o fruto da semente. Com esta introdução quero advertir a vossa caridade, para que não frequenteis a igreja de maneira infrutuosa, ouvindo tantas coisas boas e não praticando o bem. É pela graça que fomos salvos, como diz o Apóstolo, e não pelas obras, para que ninguém se glorie; é pela graça que fomos salvos. Na verdade, não havia anteriormente na nossa vida qualquer mérito que pudesse atrair a complacência e o amor de Deus e O levasse a dizer: «Vamos ajudar estes homens, porque a sua vida santa o merece». A Deus desagradava a nossa vida, desagradava-Lhe tudo o que fazíamos; só não Lhe desagradava o que Ele tinha feito em nós. Por isso condenará o que nós fizemos e salvará o que Ele fez. 
   De facto, nós não éramos bons. E Ele compadeceu-Se de nós e enviou o seu Filho para morrer, não pelos bons mas pelos maus, não pelos justos mas pelos ímpios. Diz a Escritura: Cristo morreu pelos ímpios. E que diz a seguir? Dificilmente alguém morre por um justo; por um homem de bem talvez alguém ousasse morrer. Talvez se encontre alguém que ouse morrer por um homem de bem. Mas por um injusto, por um ímpio, por um iníquo, quem aceitaria a morte senão Cristo, que era de tal modo justo que pôde justificar os injustos? 
   Meus irmãos, nós não tínhamos nenhumas obras boas; todas as nossas acções eram más. Mas apesar de serem más as acções dos homens, a misericórdia divina não os abandonou. E Deus enviou o seu Filho para nos salvar, não com ouro ou prata, mas com o preço do seu Sangue derramado, o Sangue d’Aquele Cordeiro sem mancha, levado ao matadouro como vítima pelas ovelhas manchadas, se é que estavam simplesmente manchadas e não totalmente corrompidas. Recebemos, portanto, esta graça. Vivamos de modo digno deste dom que recebemos, a fim de não tornarmos inútil tão grande graça. O médico divino veio ao nosso encontro e perdoou todos os nossos pecados. Se queremos recair na doença, não só nos prejudicaremos a nós mesmos, mas também seremos ingratos para com o nosso médico. 
   Sigamos, portanto, os caminhos que Ele nos indicou, principalmente o caminho da humildade que Ele tomou para vir ao nosso encontro. Ele mostrou-nos este caminho da humildade não só com os seus ensinamentos, mas também com o seu exemplo, percorrendo-o até morrer por nós. Para poder morrer por nós Aquele que era imortal, o Verbo fez-Se carne e habitou entre nós. Assim o imortal Se revestiu de mortalidade, para poder morrer por nós e destruir a nossa morte com a sua morte. 
   Isto fez o Senhor, este é o dom que nos ofereceu. Sendo grande, humilhou-Se; humilhado, quis morrer; tendo morrido, ressuscitou e foi exaltado, para não nos deixar mortos no inferno, mas para exaltar em Si, pela ressurreição dos mortos, aqueles que neste mundo tinha exaltado apenas pela fé e pela confissão do seu nome. Assim nos deu e mostrou o caminho da humildade. Se o seguirmos, daremos glória ao Senhor e cantaremos com toda a verdade: Nós Vos damos graças, Senhor; nós Vos damos graças e invocamos o vosso nome.

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