Domingo III do Tempo Comum (Ano C)

Ano C

Nascidos da mesma Palavra

Há uma voz ressoa no silêncio de uma vida sempre aberta ao céu. Há uma voz que se impõe no silêncio que não se cala. Uma Palavra suave e terna que leva mais longe. Há uma voz que se diz no silêncio da cidade dos homens que já não creem. Uma Palavra que abre corações. Há uma voz que grita no silêncio dos corações perdidos recriando na derrocada de todas as desilusões. Uma Palavra para hoje.

LEITURA I Ne 8, 2-4a.5-6.8-10

Naqueles dias,
o sacerdote Esdras trouxe o Livro da Lei
perante a assembleia de homens e mulheres
e todos os que eram capazes de compreender.
Era o primeiro dia do sétimo mês.
Desde a aurora até ao meio dia,
fez a leitura do Livro,
no largo situado diante da Porta das Águas,
diante dos homens e mulheres
e todos os que eram capazes de compreender.
Todo o povo ouvia atentamente a leitura do Livro da Lei.
O escriba Esdras estava de pé
num estrado de madeira feito de propósito.
Estando assim em plano superior a todo o povo,
Esdras abriu o Livro à vista de todos;
e quando o abriu, todos se levantaram.
Então Esdras bendisse o Senhor, o grande Deus,
e todo o povo respondeu, erguendo as mãos:
«Amen! Amen!».
E prostrando-se de rosto por terra, adoraram o Senhor.
Os levitas liam, clara e distintamente, o Livro da Lei de Deus
e explicavam o seu sentido,
de maneira que se pudesse compreender a leitura.
Então o governador Neemias,
o sacerdote e escriba Esdras,
bem como os levitas, que ensinavam o povo,
disseram a todo o povo:
«Hoje é um dia consagrado ao Senhor, vosso Deus.
Não vos entristeçais nem choreis».
_ Porque todo o povo chorava, ao escutar as palavras da Lei _.
Depois Neemias acrescentou:
«Ide para vossas casas,
comei uma boa refeição, tomai bebidas doces
e reparti com aqueles que não têm nada preparado.
Hoje é um dia consagrado a nosso Senhor;
portanto, não vos entristeçais,
porque a alegria do Senhor é a vossa fortaleza».
A Palavra de Deus foi proclamada solenemente numa grande celebração que reúne todo o povo e os seus chefes. Ao escutar a Palavra proclamada por Esdras e os levitas, o povo reencontra-se com Deus, enche-se de alegria e renova-se na esperança.

SALMO RESPONSORIAL Salmo 18 B (19), 8.9.10.15 (R. Jo 6, 63c)
O salmo faz o elogio da lei do Senhor. Reconhece que a palavra do Senhor alegra o coração e ilumina os olhos. Aquele que se deixa instruir pela lei do Senhor encontra nela o conforto, a alegria, a sabedoria e um caminho de perfeição. Somos convidados a ouvir e saborear a palavra que sai da boca de Deus.

LEITURA II Forma longa 1Cor 12, 12-30

Irmãos:
Assim como o corpo é um só e tem muitos membros,
e todos os membros do corpo, apesar de numerosos,
constituem um só corpo,
assim sucede também em Cristo.
Na verdade, todos nós
_ judeus e gregos, escravos e homens livres _
fomos batizados num só Espírito,
para constituirmos um só corpo,
e a todos nos foi dado a beber um só Espírito.
De facto, o corpo não é constituído por um só membro,
mas por muitos.
Se o pé dissesse:
«Uma vez que não sou mão, não pertenço ao corpo»,
nem por isso deixaria de fazer parte do corpo.
E se a orelha dissesse:
«Uma vez que não sou olho, não pertenço ao corpo»,
nem por isso deixaria de fazer parte do corpo.
Se o corpo inteiro fosse olho, onde estaria o ouvido?
Se todo ele fosse ouvido, onde estaria o olfato?
Mas Deus dispôs no corpo cada um dos membros,
segundo a sua vontade.
Se todo ele fosse um só membro, que seria do corpo?
Há, portanto, muitos membros, mas um só corpo.
O olho não pode dizer à mão: «Não preciso de ti»;
nem a cabeça dizer aos pés: «Não preciso de vós».
Pelo contrário, os membros do corpo que parecem mais fracos
são os mais necessários;
os que nos parecem menos honrosos
cuidamo-los com maior consideração;
e os nossos membros menos decorosos
são tratados com maior decência:
os que são mais decorosos não precisam de tais cuidados.
Deus organizou o corpo,
dispensando maior consideração ao que dela precisa,
para que não haja divisão no corpo
e os membros tenham a mesma solicitude uns com os outros.
Deste modo, se um membro sofre,
todos os membros sofrem com ele;
se um membro é honrado,
todos os membros se alegram com ele.
Vós sois corpo de Cristo e seus membros,
cada um por sua parte.
Assim, Deus estabeleceu na Igreja
em primeiro lugar apóstolos,
em segundo profetas, em terceiro doutores.
Vêm a seguir os dons dos milagres, das curas, da assistência,
de governar, de falar diversas línguas.
Serão todos apóstolos? Todos profetas? Todos doutores?
Todos farão milagres? Todos terão o poder de curar?
Todos falarão línguas? Terão todos o dom de as interpretar?

A comunidade cristã é chamada a viver a unidade na mesma fé e no mesmo batismo. Nela não há lugar para individualismos nem superioridades. Todos os que receberam o batismo e beberam o mesmo Espírito formam um só corpo, o corpo de Cristo, e são responsáveis por edificar a comunidade em comunhão e partilha, reconhecendo a dignidade de todos os seus membros.


EVANGELHO Lc 1, 1-4; 4, 14-21

Já que muitos empreenderam narrar os factos
que se realizaram entre nós,
como no-los transmitiram os que, desde o início,
foram testemunhas oculares e ministros da palavra,
também eu resolvi,
depois de ter investigado cuidadosamente tudo desde as origens,
escrevê-las para ti, ilustre Teófilo,
para que tenhas conhecimento seguro do que te foi ensinado.
Naquele tempo,
Jesus voltou da Galileia, com a força do Espírito,
e a sua fama propagou-se por toda a região.
Ensinava nas sinagogas e era elogiado por todos.
Foi então a Nazaré, onde Se tinha criado.
Segundo o seu costume,
entrou na sinagoga a um sábado
e levantou-Se para fazer a leitura.
Entregaram-Lhe o livro do profeta Isaías
e, ao abrir o livro,
encontrou a passagem em que estava escrito:
«O Espírito do Senhor está sobre mim,
porque Ele me ungiu
para anunciar a boa nova aos pobres.
Ele me enviou a proclamar a redenção aos cativos
e a vista aos cegos,
a restituir a liberdade aos oprimidos
e a proclamar o ano da graça do Senhor».
Depois enrolou o livro, entregou-o ao ajudante e sentou-Se.
Estavam fixos em Jesus os olhos de toda a sinagoga.
Começou então a dizer-lhes:
«Cumpriu-se hoje mesmo
esta passagem da Escritura que acabais de ouvir».

A Palavra de Deus cumpre-se ao ser proclamada por Jesus, o ungido pelo Espírito. Nele todos os homens encontram a boa nova da salvação e descobrem o caminho da libertação. Esta palavra permanece atual e mantém o mesmo poder sempre que é anunciada e acolhida na fé.

Reflexão da Palavra

Apesar de continuarem sob o domínio persa, os desterrados de Israel em Babilónia obtiveram autorização para regressar à sua pátria e reconstruirem a cidade e o templo. A grande celebração relatada n a primeira leitura do livro de Neemias, acontece quando o povo já conquistou de novo a sua terra, tem reconstruída a cidade de Jerusalém, e nela foi reerguido o tempo. Falta apenas uma coisa para se poderem considerar de novo, com pleno direito, um povo, o povo do Senhor. Falta a Palavra.

Apesar de terem regressado do exílio, os israelitas não recuperaram ainda a esperança. Alimentaram a esperança do regresso, mas depararam-se com a destruição e viveram anos de conflito com os pagãos que se instalaram na região enquanto eles estiveram fora. O choque de culturas, a dificuldade em manter o povo fiel à lei, a resistência dos pagãos em aceitar a lei judaica, juntamente com os trabalhos difíceis de reconstrução, debilitaram a esperança.

A reconstrução da cidade e do templo foram uma vitória, mas é necessário reconstruir a alma de um povo que tem dificuldade em esquecer o drama vivido no exílio e ultrapassar a humilhação sofrida. Esdras e Neemias propõe a leitura da palavra de Deus. A Palavra de Deus tem o poder de curar as feridas, unir o povo e renovar a esperança.

Escolheram o primeiro dia do sétimo mês, mandaram construir um estrado no largo da Porta das Águas e prepararam uma grande celebração litúrgica composta por vários momentos: reunião de todo o povo numa grande assembleia; entrada solene do livro e abertura diante de todo o povo; leitura prolongada da Palavra de Deus, “desde a aurora até ao meio dia, fez a leitura do Livro”; compromisso, exortação à fortaleza “porque a alegria do Senhor é a vossa fortaleza”, convite à alegria “não vos entristeçais nem choreis”, e envio para comer e beber repartindo com quem não tem. Durante a celebração o povo respondia prostrando-se por terra, adorando, levantando os braços e dizendo“Amen”.

O salmo 19 é formado por três partes distintas. Na primeira podemos encontrar um hino a Deus criador, na segunda o elogio da lei do Senhor e na terceira uma súplica para não cair no pecado. O texto que se canta neste domingo é tirado da segunda parte, onde a Lei, os preceitos, os mandamentos do Senhor são apresentados na sua perfeição, retidão, fonte de sabedoria e de alegria e são reconhecidos como verdadeiros e mais preciosos que todas as riquezas do mundo. No final recolhe-se o último versículo como súplica para que o Senhor escute “as palavras da minha boca e os pensamentos do meu coração”.

Paulo serve-se de uma parábola de Tito Lívio, muito conhecida no seu tempo para atingir um objetivo fundamental nas comunidades cristãs. No domingo passado, Paulo dizia que a beleza da Igreja está na diversidade quando esta promove o bem comum. Hoje, fala da igual dignidade, do respeito que merecem todos os membros da comunidade e da unidade como forma de existência em Cristo. A importância e a superioridade de uns em relação aos outros é fruto do nosso olhar humano que se deixa cativar pelas aparências. Deus não vê assim. Aos olhos de Deus todos são igualmente importantes independentemente da função que realizam. Para Paulo o importante é o Batismo, o Espírito e Cristo. Ora todos recebemos o mesmo batismo, participamos do mesmo Espírito e fazemos parte do mesmo corpo, o corpo de Cristo. A dignidade de cada um vem desta pertença a Cristo. Não importa se uns são apóstolos, outros mestres, outros realizam milagres, outros falam línguas e outros interpretam as línguas ou fazem milagre. Todos pertencem ao mesmo corpo e merecem o mesmo respeito porque têm a mesma dignidade que lhes vem de serem membros do mesmo corpo. “Vós sois corpo de Cristo e seus membros, cada um por sua parte”.

Lucas não foi uma testemunha ocular dos acontecimentos narrados no evangelho. Ele recebeu de outros, daqueles que viveram esses acontecimentos na primeira pessoa e investigou “cuidadosamente” para poder escrever com ordem o que diz respeito a Jesus de Nazaré. Esta informação serve a Teófilo como garantia de que lhe foi ensinada a verdadeira doutrina.

O texto do evangelho recorda que Jesus, depois do batismo de do retiro no deserto, é “impelido pelo Espírito”, começa a sua vida pública nas sinagogas da Galileia e ganha fama por onde passa. Jesus anda de terra em terra mas ao sábado vai, como é costume, à sinagoga. Em Nazaré tem o mesmo comportamento. Tudo ali se passa de forma perfeitamente normal. Jesus levanta-se, recebe o livro do profeta Isaías e faz a leitura como o fez em outros momentos e como o faria qualquer outro judeu do seu tempo.

O texto é emblemático e é atribuído tradicionalmente ao Messias. Após a leitura todos esperam uma palavra do chefe da sinagoga ou que alguém explicasse a palavra que tinha sido proclamada. É nesse momento que Jesus interrompe o silêncio e atrai sobre si o olhar de toda a sinagoga. As palavras explicativas deixam estupefactos todos os presentes, “cumpriu-se hoje mesmo esta passagem da Escritura que acabais de ouvir”.

Para os ouvintes as palavras de Jesus soavam como um atrevimento, pois só o Messias poderia encarnar esta profecia e Jesus era somente o filho do carpinteiro. Segundo a convicção judaica o Messias, o ungido do Senhor, seria o rei enviado por Deus para libertar o povo do domínio romano e, claramente, esse rei messias não era o filho do carpinteiro.

No entanto, Jesus, segundo Lucas, é mesmo o ungido do Espírito, é o Espírito quem conduz Jesus, como ele explica no início “impelido pelo Espírito Jesus voltou para a Galileia”, o mesmo Espírito que tinha descido sobre ele no batismo.

Meditação da Palavra

Celebra-se, hoje, o Domingo da Palavra de Deus, instituído pelo Papa Francisco com o Motu Proprio Aperuit illis, publicado no dia 30 de setembro de 2019.

A Palavra de Deus proclamada neste domingo, o III do Tempo Comum, há de ser escutada dentro do espírito que o Santo Padre quis dar-lhe ao instituí-lo como Domingo da Palavra de Deus. Com este Motu Proprio, cujo título é tirado do evangelho de Lucas, 24,45, onde se diz que Jesus ressuscitado, no encontro com os discípulos de Emaús, “abriu-lhes o entendimento para compreenderem as Escrituras”, salienta-se de modo especial o papel da Palavra de Deus na experiência da fé cristã.

Nas leituras deste domingo começamos por observar que a Palavra de Deus “cumpre-se hoje”, afirmação de Jesus na sinagoga de Nazaré, presente na narração de Lucas. Com esta expressão percebe-se que a Palavra de Deus é atual, é de hoje e para os homens de hoje. Não se trata de uma palavra do passado, gasta, desatualizada, como acontece com as palavras dos milhares de livros que enchem as bibliotecas. Simultaneamente, diz-nos que esta Palavra tem poder para realizar aquilo que diz, no momento em que é proclamada e acolhida com fé. De facto, aquela palavra do profeta Isaías, lida na sinagoga, era uma promessa feita muito tempo antes de Jesus e fonte da esperança messiânica para o povo judeu. Proclamada naquele dia, ela cumpre-se em Jesus e para toda a humanidade, porque nele atuou o Espírito Santo que tinha recebido no batismo e que o impeliu através do deserto das tentações até àquele momento e àquele lugar.

A Palavra de Deus liberta. A Palavra de Deus não é pronunciada para oprimir nem sobrecarregar a vida com pesos insuportáveis. Ao cumprir-se em Jesus, a Palavra inaugura um tempo novo em que a boa nova chega a todos como fonte de libertação a começar pelos pobres, os cativos, os cegos e os oprimidos. Cumprindo-se em Jesus, a Palavra pode ver-se e ouvir-se na realidade concreta da vida dos homens que, como Jesus, vivem animados pelo Espírito recebido no batismo e se tornam libertadores. A Palavra de Deus “que acabais de ouvir” está presente no grito dos pobres e esquecidos da humanidade.

A Palavra de Deus reconforte a alma. A Palavra de Deus não tem como objetivo julgar nem condenar. O povo, regressado de Babilónia, ferido pela humilhação de ter sido levado da sua terra, tresmalhado por não ter um rei, triste por ter perdido a esperança, renova-se na alegria e na esperança quando Esdras e Neemias com os levitas sobem ao palco e começam a proclamar a Palavra de Deus.

Ao escutar e entender a palavra proclamada o povo reencontra-se com Deus, com a sua realidade existencial e com o destino comum. Escutando, o povo experimenta a consolação que vem de Deus descobrindo as razões para o perdão de um passado doloroso vivido em Babilónia, as razões da alegria que cura todas as feridas, as razões da esperança que abre a vida ao futuro e reencontra-se com a verdade de um Deus presente. Levantando os braços, prostrando-se por terra e chorando o povo descobre-se amado.

A Palavra de Deus tem o pode de unir. A Palavra de Deus não faz distinção de pessoas e não serve para distinguir entre bons e maus, entre santos e pecadores. A Palavra de Deus tem o poder de congregar e unir numa mesma experiência todos os que “fomos batizados num só Espírito” e todos aqueles a quem “foi dado a beber um só Espírito”. A palavra de Deus que primeiro criou os céus, a terra e o mar e tudo o neles existe, e depois se tornou carne em Jesus de Nazaré, agora, transforma num mesmo corpo, o corpo de Cristo, todos os que a escutam e nela colocam a sua confiança.

O poder transformador da Palavra une num mesmo corpo todos, judeus e gregos, escravos e homens livres, homens e mulheres, fazendo com todos um só e mesmo corpo na unidade do mesmo Espírito.

Também hoje, a palavra que acabámos de escutar tem o poder transformar o mundo em que vivemos, a partir da transformação da vida de cada um. Impelidos pelo Espírito que nos foi dado no Batismo podemos ser anunciadores de um tempo de graça, de um jubileu, um tempo em que os pobres, os oprimidos e os que se sentem humilhados, renascem na dignidade de filhos de Deus.

Também hoje a Palavra reconforta a alma curando as feridas do passado, reconduzindo ao perdão os corações magoados e abrindo novos horizontes de esperança.

Também hoje, a Palavra de Deus tem o poder de apagar os desejos de individualismo, os sentimentos de superioridade para formarmos um só corpo em Cristo Jesus.

Também hoje a Palavra de Deus tem poder para renovar a Igreja a partir da escuta atenta e humilde da Sagrada Escritura.

Rezar a Palavra

Cumpre hoje em mim, Senhor, aquela palavra que disseste no dia do meu Batismo “Tu és meu filho”. Cumpre hoje em mim a palavra que disseste aos teus discípulos “recebereis o Espírito Santo”. Cumpre hoje em mim a palavra da tua oração ao Pai “que todos sejam um”. Cumpre hoje em mim a palavra que disseste ao paralítico “os teus pecados estão perdoados”. Cumpre hoje em mim as palavras que disseste ao Zaqueu “hoje, a salvação entrou nesta casa”. Cumpre hoje em mim, Senhor, as palavras que disseste ao bom ladrão “hoje mesmo estarás comigo no paraíso”. Cumpre hoje em mim, Senhor,

Compromisso semanal

Vou ler todos os dias um capítulo da Palavra de Deus a começar pelo livro de Génesis.

Via: aliturgia.com

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