A filiação divina que provém da fé
“Ele veio para os que eram seus, mas os seus não o receberam. Mas a todos aqueles que o receberam, aos que creem no seu nome, deu-lhes o poder de se tornarem filhos de Deus” (Jo 1, 11-13).
Evangelho de Nosso Senhor Jesus Cristo segundo São Marcos
(Mc 7, 24-30)
Naquele tempo, Jesus saiu e foi para a região de Tiro e Sidônia. Entrou numa casa e não queria que ninguém soubesse onde ele estava. Mas não conseguiu ficar escondido. Uma mulher, que tinha uma filha com um espírito impuro, ouviu falar de Jesus. Foi até ele e caiu a seus pés. A mulher era pagã, nascida na Fenícia da Síria. Ela suplicou a Jesus que expulsasse de sua filha o demônio. Jesus disse: “Deixa primeiro que os filhos fiquem saciados, porque não está certo tirar o pão dos filhos e jogá-lo aos cachorrinhos”. A mulher respondeu: “É verdade, Senhor; mas também os cachorrinhos, debaixo da mesa, comem as migalhas que as crianças deixam cair”. Então Jesus disse: “Por causa do que acabas de dizer, podes voltar para casa. O demônio já saiu de tua filha”. Ela voltou para casa e encontrou sua filha deitada na cama, pois o demônio já havia saído dela.
O Evangelho de hoje nos fala da oração confiante e humilde da mulher siro-fenícia. Jesus estava fora do território da Terra Santa, algo que raramente acontecia, na região de Tiro e Sidônia — ou seja, ao norte de Israel, no que atualmente é o Líbano —, e uma mulher siro-fenícia veio ao seu encontro.
No entanto, apesar de ser da região da Síria, ela falava grego, a língua predominante da época. Sabemos disso porque, no versículo 26 do Evangelho, no grego original está escrito que a mulher era helenis, ou seja, de língua grega. É interessante notarmos essa informação porque, em seu evangelho, São Marcos traduz ao grego a pregação aramaica de São Pedro, indicando que os primeiros cristãos, mesmo os que eram de cidades latinas, falavam em grego.
Esse episódio traz, então, uma novidade: a humildade dessa mulher e o seu pedido, reconhecendo que o povo de Deus é Israel, no Antigo Testamento; mas agora, através de Jesus, ele se alarga e se estende. Antes, havia aqueles que eram da família de Deus, e aqueles que eram apenas criaturas — ou, como diz o Evangelho de hoje, os “cachorrinhos”. Entretanto, Jesus ensina que, embora a Providência do Senhor estivesse mais voltada para o povo eleito do Antigo Testamento, ela também queria se alargar para as outras pessoas. Portanto, através da prece dessa mulher, Cristo mostrou que aqueles que não pertenciam ao povo escolhido eram chamados agora a fazer parte dele.
Se olharmos para o prefácio do Evangelho de São João, teremos o melhor comentário para o Evangelho de hoje: Jesus “veio para os que eram seus”, ou seja, para o povo judeu, “mas os seus não o receberam. Mas a todos que o receberam”, aqueles que creram em Jesus, “deu-lhes o poder de se tornarem filhos de Deus, os quais não nasceram do sangue, nem da vontade da carne, nem da vontade do homem, mas de Deus”. Então, a fé e o Batismo fazem com que nasçamos de Deus, para enfim podermos dizer: “Verbum caro factum est”, “a Palavra de Deus se faz carne” em nós. Na linguagem de Santa Elisabete da Trindade, nós nos tornamos “uma humanidade acrescentada” ao Filho de Deus; por isso, somos filhos no Filho Jesus.
Realmente, meditar o Evangelho da mulher siro-fenícia é meditar a grande alegria de que nós, pagãos, somos chamados a fazer parte do povo de Deus. Isso se dá através da fé, pois apenas àqueles que aceitam Jesus e que têm fé nele, Deus dá o poder e a capacidade de se tornarem filhos de Deus. “Ex Deo nati sunt”, “Nasceram de Deus”.
Via: padrepauloricardo.org