DOMINGO VI DO TEMPO COMUM (Ano C)

Ano C

Homens que não param

De onde vens? Esse teu ar de viajante diz que vens de longe. Essa mochila colada às costas, essas botas desgastadas nos pés e esse cajado afagado pelas mãos, dizem-me que vens de longe.

Para onde vais? O teu andar ligeiro, o sorriso fácil do teu rosto, a serenidade dos teus olhos, dizem-me que sabes para onde queres ir.

Fica um pouco por aqui. Aqui também podemos ser felizes. Não achas que já andaste demais?

LEITURA I Jr 17, 5-8

Eis o que diz o Senhor:
«Maldito quem confia no homem
e põe na carne toda a sua esperança,
afastando o seu coração do Senhor.
Será como o cardo na estepe,
que nem percebe quando chega a felicidade:
habitará na aridez do deserto,
terra salobre, onde ninguém habita.
Bendito quem confia no Senhor
e põe no Senhor a sua esperança.
É como a árvore plantada à beira da água,
que estende as suas raízes para a corrente:
nada tem a temer quando vem o calor
e a sua folhagem mantém-se sempre verde;
em ano de estiagem não se inquieta
e não deixa de produzir os seus frutos».

O profeta Jeremias sabe que as decisões dos chefes do seu povo, em muitas situações, foram uma recusa de Deus. Foram decisões erradas que trouxeram consequências desastrosas para eles e para todo o povo. Confiar em Deus pode parecer a decisão mais difícil, mas é a mais certa, aquela que conduz à verdadeira felicidade.

Salmo Responsorial     Salmo 1, 1-2.3.4.6 (R. Salmo 39,5a)

O salmista confia na lei do Senhor e sabe que tem na lei a orientação para o caminho da bem-aventurança. Rejeitar a lei é seguir pelo caminho dos ímpios e terminar na perdição.

LEITURA II 1Cor 15, 12.16-20

Irmãos:
Se pregamos que Cristo ressuscitou dos mortos,
porque dizem alguns no meio de vós
que não há ressurreição dos mortos?
Se os mortos não ressuscitam,
também Cristo não ressuscitou.
E se Cristo não ressuscitou,
é vã a vossa fé, ainda estais nos vossos pecados;
e assim, os que morreram em Cristo pereceram também.
Se é só para a vida presente
que temos posta em Cristo a nossa esperança,
somos os mais miseráveis de todos os homens.
Mas não.
Cristo ressuscitou dos mortos,
como primícias dos que morreram.

Os cristãos de Corinto têm dificuldade em acreditar na ressurreição. Paulo esclarece que sem ressurreição a fé não tem sentido. A nossa ressurreição tem na ressurreição de Cristo a sua segurança e vale a pena a creditar.

EVANGELHO    Lc 6, 17.20-26

Naquele tempo,
Jesus desceu do monte, na companhia dos Apóstolos,
e deteve-Se num sítio plano,
com numerosos discípulos e uma grande multidão
de toda a Judeia, de Jerusalém e do litoral de Tiro e Sidónia.
Erguendo então os olhos para os discípulos, disse:
Bem-aventurados vós, os pobres,
porque é vosso o reino de Deus.
Bem-aventurados vós que agora tendes fome,
porque sereis saciados.
Bem-aventurados vós que agora chorais,
porque haveis de rir.
Bem-aventurados sereis, quando os homens vos odiarem,
quando vos rejeitarem e insultarem
e proscreverem o vosso nome como infame,
por causa do Filho do homem.
Alegrai-vos e exultai nesse dia,
porque é grande no Céu a vossa recompensa.
Era assim que os seus antepassados tratavam os profetas.
Mas ai de vós, os ricos,
porque já recebestes a vossa consolação.
Ai de vós, que agora estais saciados,
porque haveis de ter fome.
Ai de vós que rides agora,
porque haveis de entristecer-vos e chorar.
Ai de vós quando todos os homens vos elogiarem.
Era assim que os seus antepassados
tratavam os falsos profetas.

Lucas oferece quatro bem-aventuranças e quatro maldições. São dois caminhos que cada um é convidado a escolher, na certeza de que as aparências enganam. Os bem-aventurados podem parecer infelizes aos olhos dos homens mas sabem que encontram em Deus a felicidade que desejam no seu coração.

Reflexão da Palavra

Jeremias fala num contexto histórico concreto em que experiencia a ação dos governantes, sobretudo dos reis, que, em vez de depositarem a sua confiança no Senhor e viverem fiéis à aliança, fazem alianças com os povos mais poderosos, colocando neles a sua esperança, para salvaguardarem a independência. Do mesmo modo em relação à fé, Jeremias verifica que os reis, muitas vezes corrompendo também os sacerdotes, permitem e favorecem a idolatria.

Perante esta situação, o profeta alerta para as consequências de uma tal decisão, afirmando “maldito quem confia no homem e põe na carne a sua confiança”. O profeta não quer estabelecer a desconfiança entre os homens, mas realçar a má decisão do rei e de todos aqueles que, em vez de confiarem no Senhor, confiam em si próprios, nas alianças com os poderes humanos e nas jogadas políticas que arquitetam de forma engenhosa.

Maldito” não é uma ameaça ou maldição, mas um alerta que convida a ter cuidado porque as opções podem conduzir ao deserto, a uma “terra salobre, onde ninguém habita”, onde, ainda que por ali passe a felicidade, não será percebida porque o coração se tornou insensível longe do Senhor.

Os que são fiéis ao Senhor e põem nele a sua confiança podem parecer insensatos por não acautelarem a sua segurança diante dos homens mas, no final, serão estes os que permanecem, pois, mesmo que venham as dificuldades, são como árvores plantadas à beira da água. Aquele que escolhe colocar a sua segurança no Senhor “nada tem a temer”, “não se inquieta e não deixa de produzir os seus frutos”.

Este alerta é também para hoje, porque somos obrigados a fazer opções e, quem sabe escolher, escolhe confiar no Senhor e permanecer fiel à sua aliança.

Tal como a primeira leitura, o salmo 1, opõe os justos aos ímpios. No salmo podemos encontrar três partes distintas. A primeira é a bem-aventurança do justo, “feliz o homem”, porque rejeita o caminho dos ímpios e pecadores e ama a lei do Senhor meditando-a noite e dia. A segunda parte do salmo compara o justo com a “árvore plantada à beira da água” e o ímpio com “a palha que o vento leva”. Finalmente apresenta uma conclusão “o Senhor vela pelo caminho dos justos,
mas o caminho dos pecadores leva à perdição
”.

Perante as muitas circunstâncias da vida, sobretudo quando se vive no meio de uma sociedade materialista e insensível aos valores espirituais, esquece-se o mais importante, o que dá sentido à esperança e é fundamento da fé. À semelhança do que acontece hoje com muitas pessoas, os coríntios acreditam que Cristo ressuscitou, mas têm dificuldade em acreditar que eles também hão de ressuscitar.

Paulo, confrontado com esta maneira de pensar recorda que a fé na ressurreição de Cristo está ligada à fé na nossa ressurreição. Não acreditar na nossa ressurreição é afirmar que também Cristo não ressuscitou e, esta afirmação, revela uma fé vazia, sem conteúdo, pois o fundamento da fé cristã é ressurreição. Para que serve a fé se não é para alcançar a vida eterna da ressurreição?

São muitos os que hoje, mesmo dizendo-se cristãos, não acreditam que vão ressuscitar. Daí, a negar a ressurreição de Cristo é apenas um pequeno passo que conduz à sua negação como salvador e esvazia a fé do seu conteúdo central. Para que serve uma fé sem Cristo salvador? Como pode salvar-nos se não ressuscitou? De que nos salva Cristo se não ressuscitamos?

Paulo esforça-se em afirmar que a ressurreição de Cristo é a verdade fundamental da nossa fé e, porque também nós estamos habitados pelo mesmo Espírito de Cristo, com ele ressuscitaremos. Cristo é o primeiro de uma série, ele é “como primícias”, o primeiro de muitos que tendo sido destruídos pela morte não ficam na morte, porque o poder de Deus se manifesta mais forte e a morte já não tem domínio sobre aqueles em quem habita o Espírito de Cristo.

O texto de Lucas que escutamos no evangelho deste domingo, opõe os bem-aventurados aos amaldiçoados. Ao contrário de Mateus, Lucas apresenta quatro bem-aventurança e quatro maldições. Bem-aventurados são os pobres, os famintos, os que choram e os perseguidos. Os amaldiçoados são os ricos, os saciados, os que riem e os elogiados.

A sentença apresentada está estreitamente relacionada com a entrada ou não no reino de Deus. Os bem-aventurados têm lugar no reino e os amaldiçoados não têm lugar, porque a sua recompensa ou consolação a recebem egoisticamente aqui, já neste mundo, como mais à frente Lucas recorda na parábola do rico e de Lázaro (Lc 16,19-31), “lembra-te de que recebeste os teus bens em vida, enquanto Lázaro recebeu somente males”.

Reconhecendo a realidade das comunidades, Lucas salienta a preferência de Jesus pelos pobres, os famintos, os que choram e os perseguidos, em detrimento dos ricos, dos saciados, dos que riem e são elogiados. Perante esta palavra, os ricos podem reconhecer a possibilidade de seguirem por um caminho que os coloca fora do reino de Deus, sobretudo se não fizerem, como Jesus, uma opção pelos mais fracos. Do mesmo modo, recorda aos pobres que a justiça é feita por Deus, no momento decisivo da história, dando-lhes o que eles merecem por terem sabido escolher o lado onde permanecer durante a vida.

Entretanto, pobres e ricos podem converter as suas vidas ao evangelho e encontrar nele o caminho para o reino. Os pobres são desde já preferidos e é deles o reino, os famintos sabem que chegará o dia de serem saciados, os que choram também são consolados e os perseguidos receberão a recompensa. Os ricos podem assumir a atitude do homem rico que, podendo deixar tudo para seguir Jesus, lhe volta as costas mesmo sabendo que a única recompensa que encontra longe dele é a tristeza. Mas podem assumir a atitude de Zaqueu que, reconhecendo que a sua riqueza, mesmo que tenha sido acumulada de forma justa, não lhe pertence enquanto houver pobres e decide repartir convertendo-se do caminho egoísta em que estava instalado.

Para todos os que escutam o evangelho, Lucas alerta para a possibilidade de não entrarem no reino, apenas por uma má decisão. Estamos ainda no início do evangelho e, é possível ao leitor, neste caso o Teófilo (o amigo de Deus) abrir o coração e converter-se.

Meditação da Palavra

A felicidade é um princípio que atravessa a história da humanidade e a vida de cada pessoa. Formulada de uma forma ou de outra, a verdade é que todos querem ser felizes. Não é mal querer ser feliz, mal é quando alguém não quer ser feliz. Bem diferente é o que cada um entende por felicidade e bem diferentes as razões pelas quais alguém diz ser infeliz. No fundo, percebe-se muito pouco o que significa ser feliz e não se dominam as coordenadas que conduzem à felicidade.

As leituras de hoje esforçam-se por revelar o caminho da felicidade e as condicionantes para a alcançar. Não propõem os critérios que habitualmente a sociedade oferece para lá chegar, muito pelo contrário, parece que os critérios habituais conduzem, de acordo com a palavra deste domingo, a uma infelicidade.

As leituras que escutamos apresentam dois caminhos que podem ser escolhidos livremente por todos os homens, mas chamam a atenção para o facto de um dos caminhos conduzir à bem-aventurança e outro à maldição. Assim, a primeira leitura diz que bem-aventurado é o homem que põe a sua confiança no Senhor e todo aquele que põe a confiança em si mesmo ou no outro homem, esse é “maldito”, “maldito quem confia no homem e põe na carne toda a sua esperança”.

Confiar ou colocar em si ou nos homens a esperança é uma espécie de idolatria que afasta o coração de Deus. Longe de Deus o homem torna-se insensível, só vê o seu próprio interesse e julga poder ser feliz sozinho. Não se apercebe que está a caminhar para o deserto, para uma “terra salobre, onde ninguém habita”. Quando der conta percebe que esteve perto da felicidade, mas acabou sozinho, infeliz. Não é esta a sorte do homem que confia no Senhor. Este, mesmo que passe por situações difíceis sabe que será saciado porque é “como a árvore plantada à beira da água”.

No evangelho Jesus recorre à linguagem do profeta para alertar também os seus discípulos e as multidões para a possibilidade de escolherem de forma errada. Por momentos, é possível que todos os homens tenham inveja de quem aparenta estar bem na vida, dos ricos, dos que participam em grandes banquetes, dos que riem porque tudo lhes corre bem, dos que recebem elogios e são bajulados por todos. Mas, eles caminham por terreno escorregadio. Estão no caminho que os conduz à maldição. Em breve se verá a sua desgraça.

Pelo contrário, os pobres, os que passam fome, os que choram e os perseguidos por causa de Jesus, não são invejados por ninguém, podem até ser considerados os mais miseráveis dos homens. Mas a sua esperança está em Deus e de Deus virá a resposta que fará justiça aos oprimidos e humilhados, porque encontram alegria “na lei do Senhor, e nela meditam dia e noite”.

A justiça do Senhor é apresentada na forma de reino de Deus. Aquele que espera no Senhor, o que não está satisfeito consigo próprio nem coloca a sua alegria nas riquezas, no prazer, na fama e no elogio, esse tem um lugar no reino de Deus. O que vive parado em si mesmo, nos seus bens, na sua satisfação pessoal, sem ir ao encontro do irmão pobre e humilhado, esse não tem lugar no reino de Deus.

Jesus está a dizer aos seus discípulos, no meio da multidão, que eles fizeram uma escolha. Fizeram a escolha certa, mas essa escolha leva-os pelo caminho da pobreza, das lágrimas, da fome e da perseguição como ele e por causa dele, o pobre entre os pobres, o rejeitado por todos os poderosos deste mundo. Os discípulos têm lugar no reino porque não escolheram com critérios mundanos, mas divinos.

Porque deve o discípulo escolher o lado difícil da vida? Porque a sua esperança não está nas coisas deste mundo. Podendo usufruir dos bens desta terra, a sua esperança não se limita à posse das realidades deste mundo. A esperança do discípulo de Jesus está na vida eterna. Paulo insiste com os coríntios sobre a fé na ressurreição. Se a fé deles está posta apenas nas coisas deste mundo a fé é vazia e acaba num caminho sem saída. A esperança cristã tem como conteúdo a fé na ressurreição. Acreditar que Cristo morreu e ressuscitou implica acreditar também na nossa ressurreição, caso contrário é inútil a nossa fé.

Quem não acredita na ressurreição procura a riqueza deste mundo e põe nela toda a sua esperança. Abrir-se à fé na ressurreição é o primeiro passo para aceitar as limitações da vida presente, na certeza de que Deus tem para nós a plenitude da felicidade que tanto ansiamos.

Rezar a Palavra

Senhor, há decisões difíceis de assumir. Quando me desafias a seguir-te sabes o que implica esta decisão, mas eu nem sempre sei. Vou-me dando conta à medida que dou passos contigo e vou escutando a tua palavra. Hoje, pedes que deposite em ti toda a minha confiança, que a minha esperança esteja só em ti e parece-me bem, mas depois percebo que isso pode implicar ser pobre, passar fome, ser homem de lágrimas e um perseguido sem nome. E tu continuas a dizer que esta é a decisão certa. Ensina-me a caminhar, a não ficar parado em mim e nas minhas coisas. Ensina-me a ver que só tu me podes preencher totalmente e saciar todo este desejo de felicidade que trago dentro de mim.

Compromisso semanal

Quero ser feliz a caminho com Jesus.

Via: aliturgia.com

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