Buscai as coisas do alto

Se Deus concede a um homem riquezas e bens, e também a faculdade de os gozar e com alegria desfrutar o fruto do seu trabalho, isto é um verdadeiro dom de Deus. Porque ele não tem que pensar muito nos dias da sua vida, enquanto Deus enche de alegrias o seu coração. das riquezas obtidas na obscuridade das suas preocupações, e com grande fadiga e tédio da vida acumula bens destinados a perecer, o sábio afirma que é melhor a condição daquele que desfruta do presente. De facto, este desfruta de um certo prazer, embora pequeno; pelo contrário, aquele só experimenta grandes preocupações. E explica o motivo por que é um dom de Deus poder gozar das riquezas: porque não tem que pensar muito nos dias da sua vida.
   Deus o distrai com as alegrias do seu coração: não estará triste, não será angustiado pelas preocupações, absorto como está na alegria e na felicidade presente. Mas é melhor entender nisto, segundo o Apóstolo, o alimento espiritual e a bebida espiritual que Deus nos dá, e reconhecer o bem que há naquela fadiga, porque é através de grandes trabalhos e fadigas que podemos contemplar os verdadeiros bens. É esta a sorte que nos cabe: alegrarmo-nos com os nossos esforços e trabalhos. Mas embora isto seja um bem, não é ainda a bondade total, enquanto Cristo, nossa vida, não Se tiver manifestado.
   Todo o trabalho do homem é para a sua boca, mas nem por isso o seu apetite fica satisfeito. Afinal, que vantagem tem o sábio sobre o insensato? Que vantagem tem o pobre, que sabe proceder bem diante dos vivos?
 Tudo o que os homens produzem com fadiga neste mundo é consumido pela boca e, uma vez triturado pelos dentes, vai para o ventre para ser digerido. E o pequeno prazer que causa ao nosso paladar, dura apenas o momento em que passa pela garganta.
   E depois de tudo isto, nunca se sacia a alma de quem come: ou porque volta a desejar o que comeu (pois sem alimento não podem viver nem o sábio nem o insensato, e o pobre não procura senão como nutrir o seu débil organismo para não morrer de fome), ou porque a alma nenhum proveito tira deste alimento corporal, dado que o alimento é igualmente necessário ao sábio e ao insensato, e o pobre corre sempre para onde o possa encontrar.
   É preferível entender estas afirmações como referidas ao homem eclesiástico que, instruído nas divinas Escrituras, trabalha para a sua boca, mas nunca a sua alma se sacia, porque quer aprender sempre mais. E nisto o sábio tem vantagem sobre o insensato; porque, sentindo-se pobre (como aquele pobre que é proclamado feliz no Evangelho), se apressa a procurar os bens da vida, percorre o caminho estreito e difícil que a ela conduz; é pobre de obras más e sabe onde habita Cristo que é a vida.

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