Leitura Diária

Meditações Para Católicos

Nesta Quaresma, vá para o deserto com Cristo!

De que modo as tentações que Ele sofreu podem ajudar-nos a vencermos as nossas próprias tentações? É o que Padre Paulo Ricardo explica nesta homilia dominical, com base numa belíssima reflexão de Santo Tomás de Aquino.

Evangelho de Nosso Senhor Jesus Cristo segundo São Lucas
(Lc 4, 1-13)

Naquele tempo, Jesus, cheio do Espírito Santo, voltou do Jordão, e, no deserto, ele era guiado pelo Espírito. Ali foi tentado pelo diabo durante quarenta dias. Não comeu nada naqueles dias e depois disso, sentiu fome. O diabo disse, então, a Jesus: “Se és Filho de Deus, manda que esta pedra se mude em pão”. Jesus respondeu: “A Escritura diz: ‘Não só de pão vive o homem’”. O diabo levou Jesus para o alto, mostrou-lhe por um instante todos os reinos do mundo e lhe disse: “Eu te darei todo este poder e toda a sua glória, porque tudo isso foi entregue a mim e posso dá-lo a quem eu quiser. Portanto, se te prostrares diante de mim em adoração, tudo isso será teu”. Jesus respondeu: “A Escritura diz: ‘Adorarás o Senhor teu Deus, e só a ele servirás’”. Depois o diabo levou Jesus a Jerusalém, colocou-o sobre a parte mais alta do Templo, e lhe disse: “Se és Filho de Deus, atira-te daqui abaixo! Porque a Escritura diz: Deus ordenará aos seus anjos a teu respeito, que te guardem com cuidado!’ E mais ainda: ‘Eles te levarão nas mãos, para que não tropeces em alguma pedra’”. Jesus, porém, respondeu: “A Escritura diz: ‘Não tentarás o Senhor teu Deus’”. Terminada toda a tentação, o diabo afastou-se de Jesus, para retornar no tempo oportuno.

Estamos no Primeiro Domingo da Quaresma e, como é tradicional neste dia, refletimos sobre a tentação de Cristo no deserto. O Evangelho deste domingo é de São Lucas, pois estamos no ano dedicado a ele, e o trecho que ouvimos é do capítulo 4, versículos de 1 a 13.

Nesta homilia, vamos refletir sobre alguns traços típicos de São Lucas, inspirados pela profunda meditação de Santo Tomás de Aquino na “Suma Teológica” sobre o mistério da tentação. Se você tem facilidade para estudar, recomendo que vá direto à “Suma”, especificamente à questão 40 da III parte, que aborda a vida de Cristo e a tentação. Vale muito a pena ler e meditar cada artigo e parágrafo dessa questão, porque ela é uma verdadeira mina de riquezas espirituais — o que compartilho aqui é apenas uma reflexão pessoal, mas o verdadeiro tesouro está na leitura direta de Santo Tomás.

Uma característica notável de São Lucas é que, logo no primeiro versículo, ele menciona algo que os outros evangelistas omitem: “Jesus, cheio do Espírito Santo, voltou do Jordão” (Lc 4, 1). Isso, portanto, faz a conexão direta com o Batismo. São Lucas destaca que Nosso Senhor foi guiado pelo Espírito Santo ao deserto, antes de mencionar a tentação. Ele enfatiza esse impulso do Espírito Santo, algo recorrente no seu Evangelho, que é marcado pela presença do Espírito em diversas passagens — como na concepção de Jesus, no anúncio do anjo, em Isabel, Simeão e Ana. Assim, nós vemos que, após o Batismo, Cristo vai ao deserto guiado pelo Espírito, o que é típico da narrativa de São Lucas.

É preciso entender essa realidade do Espírito Santo. Na “Suma Teológica”, Santo Tomás de Aquino, no artigo 2.º da questão 40, cita uma meditação bastante esclarecedora feita por São João Crisóstomo: 

Não somente Cristo foi conduzido ao deserto pelo Espírito, mas o são também todos os filhos de Deus que tem o Espírito Santo. Eles não se contentam com estar sentados ociosos, mas o Espírito Santo os urge, impele-os a empreender grandes ações, e isto é estar no deserto do ponto de vista do diabo, dado que na boa ação não há injustiça na qual o diabo se compraz. A boa obra é também deserto do ponto de vista da carne e do mundo, porque não é segundo a vontade da carne e do mundo. 

Vamos entender essa citação. Jesus é nosso modelo, e, guiados pelo Espírito Santo, devemos romper com as obras da carne e com a mentalidade mundana. Sabemos que nossa alma enfrenta três grandes inimigos, e o primeiro deles é a carne, ou seja, nossa própria tendência ao pecado — seja pelo pecado original ou pelos nossos pecados pessoais, que nos inclinam a cair novamente. A Quaresma chama-nos a entrar no deserto para vencer essas inclinações por meio do jejum, do sacrifício e da mortificação. Assim como Nosso Senhor foi guiado pelo Espírito Santo ao deserto, também nós, como Igreja, somos chamados a romper com as obras da carne.

Mas não basta isso: também devemos superar a mentalidade mundana. O segundo inimigo da alma é o mundo, mas não o mundo criado por Deus, senão a mentalidade mundana — que é essencialmente contrária a Deus. Assim como “carne” não se refere simplesmente ao corpo, “mundo” aqui significa o sistema pecaminoso criado pelo ser humano. Na Quaresma, o Espírito Santo nos conduz a romper com essa mentalidade. Por isso, a Igreja convida-nos a viver com mais recolhimento: reduzir distrações como televisão, internet e redes sociais, e dedicar mais tempo à oração. Desse modo, esse tempo de conversão ajuda-nos a vencer os dois primeiros inimigos da alma: as obras da carne e a mentalidade do mundo.

Se, guiados pelo Espírito Santo, rompemos com o pecado e a mentalidade mundana, é preciso também enfrentar um terceiro inimigo: o diabo. São João Crisóstomo ensina que quem decide viver a virtude será tentado no deserto, e Santa Teresa d’Ávila confirma isso no “Livro das Moradas”. Ela explica que o verdadeiro combate espiritual começa ao passar da primeira para a segunda morada, quando a alma decide-se firmemente pelo caminho da perfeição. Nesse momento, Satanás intensifica suas investidas, porque sabe que quem busca a santidade não irá sozinho para o Paraíso, mas arrastará outros consigo. Por isso, quem vive a Quaresma com seriedade desperta a fúria do inimigo.

É evidente que algumas pessoas, receosas diante dessa investida do demônio, podem pensar que o melhor a ser feito é não viver a Quaresma. Isso porque temem as retaliações do diabo. Entretanto, a verdadeira escolha é esta: ou lutamos contra o diabo no deserto ou permanecemos em sua companhia no Inferno. A única forma de estar em “paz” com o inimigo é quando já se está condenado, e isso não é opção para quem busca a Deus.

O Padre Duarte Lara, exorcista em Portugal — diocese de Lamego —, explicou-me que o diabo não incomoda aqueles que o servem, porque eles já estão perdidos. Todavia, quando alguém rompe com Satanás, ele reage com força, muitas vezes causando manifestações e tormentos — são as possessões. O diabo só luta contra quem busca a santidade, isso porque seu objetivo é levar almas para o Inferno. Desse modo, só temos duas escolhas: ou entramos na batalha espiritual ou iremos nos conformar com a condenação eterna. Cristo, guiado pelo Espírito Santo, entrou no deserto como um combatente vitorioso para enfrentar Satanás e fortalecer-nos na luta contra o mal.

Como filhos de Deus, o Espírito Santo nos conduz a uma vida de luta espiritual e busca da virtude. Por isso, o diabo se levantará contra nós. Se rompemos com as obras da carne e a mentalidade do mundo, ele tentará nos atacar, pois sabe que está nos perdendo — e quem escolhe a santidade arrasta outros consigo. Mas não estamos sozinhos. Santo Tomás ensina que Jesus foi tentado no deserto para o nosso bem. Assim como Ele venceu a morte para nos dar vida, também venceu a tentação para nos fortalecer na nossa batalha espiritual.

Jesus submeteu-se à morte para nos livrar da morte e à tentação para nos livrar da tentação. Nesse mistério, há uma força redentora, pela qual devemos ser imensamente agradecidos. O mais impressionante é que Ele não derrotou Satanás por meio da sua onipotência divina, senão por sua humanidade. Como ensina Santo Tomás, foi Jesus homem quem venceu o diabo, sendo o justo perfeito diante de Deus. São Leão Magno destaca que essa vitória honrou a humanidade, pois Satanás não foi derrotado diretamente por Deus, o que seria natural, mas por um homem. Isso representa sua maior humilhação, porque um ser humano, na graça divina, triunfou sobre ele. Assim, a vitória de Cristo no deserto é também a nossa vitória. 

Por isso, quando enfrentarmos tentações, devemos lembrar que não lutamos sozinhos. Cristo, o grande atleta e guerreiro vitorioso, está conosco. No Evangelho de São Lucas, encontramos uma passagem que ilustra essa realidade. No capítulo 22, versículo 31, Jesus diz a Pedro: “Simão, Simão, Satanás pediu permissão para peneirar-vos como se faz com o trigo”. Satanás quer nos provar, mas Jesus nos dá uma grande consolação ao afirmar: “Eu, porém, orei por ti, para que a tua fé não desfaleça. E tu, uma vez convertido, fortalece os teus irmãos” (Lc 22, 32). Eis o mistério da luta espiritual: quando buscamos a virtude, o inimigo levanta-se contra nós; mas Cristo combate ao nosso lado e intercede por nossa vitória, que já foi conquistada por ele. E quando superamos as tentações, devemos fortalecer nossos irmãos, pois pessoa alguma salva-se sozinha. Satanás sabe que, ao trilharmos o caminho da virtude, geramos uma família espiritual e trabalhamos pela salvação de outras almas — daí a sua sanha em nos atacar. Mas temos este grande consolo: no deserto, Nosso Senhor pensou em nós. 

Alguns teólogos modernos rejeitam a ideia de que Jesus, enquanto homem, possuía poderes sobre-humanos. No entanto, essa verdade está na Tradição e no Magistério da Igreja, tendo sido claramente afirmada pelo Papa Pio XII na encíclica “Mystici Corporis Christi”. Para cumprir sua missão, Nosso Senhor recebeu um poder especial: o de amar cada um de nós individualmente. Ele não amou a humanidade de forma genérica, mas a cada ser humano em particular. No deserto, ao vencer Satanás, Ele pensava em cada um de nós. Assim, sua vitória não foi abstrata, mas pessoal. Nosso Senhor venceu Satanás pensando em nós — Ele lutou para que nós também vençamos e alcancemos a salvação. 

Nesta Quaresma, precisamos tomar uma decisão firme: o Reino dos Céus é dos violentos (cf. Mt 11, 12), isto é, dos que lutam com determinação. É a graça de Deus que nos impulsiona, mas ela não age sem a nossa cooperação — Deus não opera em quem não coopera. Ou nos disciplinamos espiritualmente, ou a graça não operará em nós. A Quaresma é um tempo favorável, no qual toda a Igreja, como Corpo Místico de Cristo, une-se nessa caminhada de conversão. Contamos com a intercessão dos santos e com o auxílio dos anjos. Que esta seja a Quaresma que irá transformar nossa vida, um marco que nos faça dizer que nossa existência foi dividida em duas: antes e depois da Quaresma.

Aceitemos, portanto, este convite: esta é a Quaresma definitiva, a que transformará nossas vidas. Com determinação, vamos à segunda morada, guiados pelo Espírito Santo, rumo ao deserto, buscando a perfeição. Deixemos para trás a carne e o mundo, enfrentando até as portas do Inferno, mas confiantes de que elas não prevalecerão, pois Cristo intercede por nós. Que Nossa Senhora, nossa capitã, esteja conosco neste deserto, como está escrito no Apocalipse, onde ela vai ao deserto para combater com o restante de seus filhos. Ela é nossa guia na luta contra a serpente.

Via: padrepauloricardo.org

Nesta Quaresma, vá para o deserto com Cristo!

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