Domingo V do Tempo Comum

De portas abertas

Uma casa aberta de dia e de noite. Uma luz no meio da noite. Um convite que ressoa no coração do mundo. Um poder distribuído por muitos. Uma mão estendida, uma renúncia a si mesmo, um dar tudo o que se tem, um viver de dentro para fora.

Encontrar uma palavra, sentir uma mão forte, abrir os olhos à luz, retomar o passo, sair da noite, encontrar um novo dia, sentir-se forte e poderoso.

Perceber o grito e o silêncio. O mundo e o deserto. A multidão e a intimidade.
Que é o homem para que cuideis dele?

LEITURA I Job 7, 1-4.6-7

Job tomou a palavra, dizendo: «Não vive o homem sobre a terra como um soldado? Não são os seus dias como os de um mercenário? Como o escravo que suspira pela sombra e o trabalhador que espera pelo seu salário, assim eu recebi em herança meses de desilusão e couberam-me em sorte noites de amargura. Se me deito, digo: ‘Quando é que me levanto?’. Se me levanto: ‘Quando chegará a noite?’; e agito-me angustiado até ao crepúsculo. Os meus dias passam mais velozes que uma lançadeira de tear e desvanecem-se sem esperança. – Recordai-Vos que a minha vida não passa de um sopro e que os meus olhos nunca mais verão a felicidade».

O justo Job, perante o sofrimento em que mergulhou a sua vida e a incompreensão de todos, sente as forças a desaparecer e com elas a esperança. Não entende porque que motivo lhe calhou em sorte tanto sofrimento e teme que a sua vida termine antes de tempo.

Salmo Responsorial Salmo 146 (147), 1-2.3-4.5-6

O salmo 146 convida a louvar o Senhor com cânticos e reconhece o poder de Deus para reconstruir, curar e libertar. Deus é o Senhor do universo que manda em toda as coisas criaturas.

LEITURA II 1Cor 9, 16-19.22-23

Irmãos: Anunciar o Evangelho não é para mim um título de glória, é uma obrigação que me foi imposta. Ai de mim se não anunciar o Evangelho! Se o fizesse por minha iniciativa, teria direito a recompensa. Mas, como não o faço por minha iniciativa, desempenho apenas um cargo que me está confiado. Em que consiste, então, a minha recompensa? Em anunciar gratuitamente o Evangelho, sem fazer valer os direitos que o Evangelho me confere. Livre como sou em relação a todos, de todos me fiz escravo, para ganhar o maior número possível. Com os fracos tornei-me fraco, a fim de ganhar os fracos. Fiz-me tudo para todos, a fim de ganhar alguns a todo o custo. E tudo faço por causa do Evangelho, para me tornar participante dos seus bens.

Paulo apresenta-se como apóstolo diante dos coríntios. Ele renunciou a todos os privilégios porque reconhece que o único privilégio que deve ter é o de anunciar o evangelho e esperar como recompensa a alegria de ganhar alguns para Cristo.

EVANGELHO Mc 1, 29-39

Naquele tempo, Jesus saiu da sinagoga e foi, com Tiago e João, a casa de Simão e André. A sogra de Simão estava de cama com febre, e logo Lhe falaram dela. Jesus aproximou-Se, tomou-a pela mão e levantou-a. A febre deixou-a e ela começou a servi-los. Ao cair da tarde, já depois do sol-posto, trouxeram-Lhe todos os doentes e possessos, e a cidade inteira ficou reunida diante da porta. Jesus curou muitas pessoas, que eram atormentadas por várias doenças, e expulsou muitos demónios. Mas não deixava que os demónios falassem, porque sabiam quem Ele era. De manhã, muito cedo, levantou-Se e saiu. Retirou-Se para um sítio ermo e aí começou a orar. Simão e os companheiros foram à procura d’Ele e, quando O encontraram, disseram-Lhe: «Todos Te procuram». Ele respondeu-lhes: «Vamos a outros lugares, às povoações vizinhas, a fim de pregar aí também, porque foi para isso que Eu vim». E foi por toda a Galileia, pregando nas sinagogas e expulsando os demónios.

Depois de expulsar um espírito impuro na sinagoga de Cafarnaum, Jesus cura a sogra de Pedro e passa o dia a curar doentes. A força com que Jesus realiza a sua missão vem-lhe do encontro com Pai na oração.

Reflexão da Palavra

A primeira leitura oferece um texto do livro de Job. Trata-se de uma reflexão sobre o sentido do sofrimento, sobretudo no homem justo, e de como o sofrimento interfere nas relações com os outros e com Deus. Job, personagem principal, é aquele que Deus vê e que é visto pelos seus, os da sua casa. “viste o meu servo Job?” diz Deus a Satan (1,8). Através deste personagem são muitas as questões que se colocam ao homem sobre o sentido do sofrimento.

Os versículos 1-4 e 6-7 do capítulo 7 fazem parte do primeiro ato, onde Job expõe as suas dificuldades. O texto tem grandes semelhanças com o livro do Eclesiastes, embora com mais densidade ainda no que se refere ao sofrimento e à esperança. Eclesiastes interroga-se sobre “que resta ao homem de todo o seu esforço, de toda a azáfama com que se afadigou debaixo do sol? Todos os seus dias são apenas dor” (2,22-23). Job queixa-se, dizendo: “recebi em herança meses de desilusão e couberam-me em sorte noites de amargura”.

Job compara a vida do homem com a do soldado, do mercenário, do escravo e do trabalhador, cujos dias são passados na incerteza e à espera do fim da jornada para receber alguma recompensa, como pode ser o salário, uma sombra, os despojos da guerra, um pouco de descanso. Para o Eclesiastes a única consolação para o homem é comer e beber, “nada há de melhor para o homem do que comer e beber e gozar o bem-estar”. Job, porém, nem essa consolação espera. O seu mal é pior do que a incerteza do soldado e do que o trabalho do escravo e do trabalhador. O sofrimento não tem paliativo. Não espera nenhuma consolação. A sua herança é uma vida breve, que lhe é dada em prestações mensais e que terminam em nada. As palavras de Job revelam o homem como um sem sentido, um absurdo, sem esperança.

Job descreve a sua vida como “um sopro”, passa com a rapidez de “uma lançadeira de tear”, não porque as horas do dia passem depressa, coisa que não é normal para quem sofre, pois no sofrimento o tempo demora-se, mas porque a vida termina antes de tempo, sem conclusão, como uma tapeçaria inacabada.

Essa brevidade é motivo para Job se dirigir a Deus, “recordai-vos”, suplica. “Recordai-vos que a minha vida não passa de um sopro e que os meus olhos nunca mais verão felicidade”. O ”sopro” é nada, um vento sem conteúdo que retira a respiração, retira a vida e impede de ver até aqueles pequenos momentos de felicidade que podem experimentar-se no meio do sofrimento.

Já no versículo 8, que não se inclui no texto da primeira leitura, Job vê o seu lugar vazio. Ele deixará de ver, os amigos deixarão de poder vê-lo. Resta-lhe Deus. Espera que Deus cuide dele, mas até ele pode chegar tarde demais. Quando Deus olhar lá do alto pode já não o encontrar.

O salmo 146 é um hino de louvor e ação de graças, que convida a louvar o Senhor através da música. “louvai o Senhor, porque é bom cantar”. O salmo apresenta Deus como o construtor, foi ele quem “restaurou Jerusalém” e como médico, foi ele que “sarou os corações dilacerados e ligou as suas feridas”. O Senhor é também o sobreano do universo, foi ele quem “fixou o número das estrelas e deu a cada uma o seu nome”. Se conhece as estrelas também conhece os filhos do seu povo, por isso, pode “congregar os dispersos de Israel”. O Senhor é poderoso e sábio, atende as vítimas, os humildes, e humilha os ímpios que provocam sofrimento aos humildes.

Paulo apresenta-se na disponibilidade de renunciar a tudo o que for necessário para ganhar os irmãos para Cristo. De facto, no final do capítulo 8 da primeira carta aos Coríntios, ele decide renunciar a comer carne para que ninguém fique confundido julgando que ele come das carnes imoladas aos ídolos. Aqui, no texto que compõe a segunda leitura deste domingo, Paulo revela ter renunciado aos seus direitos de apóstolo como forma de manifestar a prioridade do evangelho diante de todos. A renúncia dá-lhe uma liberdade diante dos coríntios que o criticavam porque entendiam que essa atitude revelava que ele não era um verdadeiro apóstolo.

Paulo, em sua defesa, adverte que espera uma outra recompensa que não a dos direitos de apóstolo. Espera a recompensa maior que é participar dos bens do evangelho. Porque anunciar o evangelho é “um encargo” e não “um título de glória”, porque ele não o faz, “por minha iniciativa”, mas porque “é uma obrigação que me foi imposta”.

Mas há outra razão para renunciar aos seus direitos, “ganhar o maior número possível”. Por essa razão anuncia “gratuitamente o evangelho” e, como Jesus ensina aos seus discípulos, “de todos me fiz escravo”. Mesmo assim, confessa o apóstolo, apenas consegue ganhar alguns e com muito esforço, “fiz-me tudo para todos, a fim de ganhar alguns a todo o custo”.

A sua única preocupação é fazer com que muitos, e ele próprio, possam participar dos bens, das bênçãos, do evangelho e não sejam apenas ouvintes.

O texto do evangelho divide-se em três cenas. Na primeira, Jesus deixa a sinagoga e vai a casa de Pedro, símbolo da Igreja reunida, ainda que seja a pequena comunidade constituída por Jesus, Simão, André, Tiago e João. Alguém, fundamental na casa, está doente, é a sogra de Pedro. “Logo lhe falam dela”, quer dizer, sem perder tempo apresentam a Jesus a situação daquela mulher. O assunto é importante e Jesus, também de modo imediato, se aproxima, agarra-a pela mão e levanta-a. A mulher, tocada pela força de Jesus, responde com os critérios do mestre, que não veio “para ser servido mas para servir” e coloca-se de imediato a servi-los, prova de que está curada de um mal que a impedia de estar ao serviço dos outros.

Na segunda parte do evangelho, Marcos, mostra a casa de Pedro de portas abertas para todos, os doentes, os possuídos de espíritos impuros e toda a cidade. “Ao cair da tarde, já depois do sol-posto” quando as forças do mal entram em ação, há uma casa aberta de onde surge a luz da esperança para todos os que experimentam o sofrimento. Na casa está Jesus que devolve a esperança aos que eram trazidos até ele. Jesus é o rosto de Deus que cura as chagas da humanidade.
Na terceira cena do evangelho Jesus sai para um lugar isolado, um lugar de encontro e intimidade. É assim quando se encontra com o Pai e quando se encontra com os discípulos. Um lugar para estar a sós, neste caso, para rezar. Ali o encontram, pela manhã, Simão e os outros discípulos e fazem-lhe saber que “todos te procuram”, como que a desafiar Jesus a ficar ali porque teve sucesso.
A missão de Jesus, porém, não termina ali naquela povoação nem naquela casa. Devem ir, Jesus e os discípulos, “proclamar” em outros lugares, fora da comunidade, o que ali já foi proclamado.

Meditação da Palavra

No domingo passado, na sinagoga de Cafarnaum, um espírito impuro não permitia que um homem recebesse o ensino de Jesus, querendo fazer crer que ele não vinha até nós para nosso bem mas para nos perdermos. Concluíamos na segunda leitura que somos chamados, solteiros ou casados, a ser uns para os outros, caminho que leva a Jesus. Também os profetas, de que falava a primeira leitura, devem ser portadores da palavra que aproxima de Deus.

Neste domingo, o V do Tempo Comum, o evangelho sugere que, já não na sinagoga mas na comunidade cristã, pode aparecer um mal, uma febre, que impede aos seus membros de imitarem o mestre no serviço aos outros. A sogra de Pedro é exemplo desta situação. Com efeito, a casa de Pedro, símbolo da comunidade cristã, da Igreja, é o lugar para onde Jesus se desloca depois de ter ensinado na sinagoga. Ao saber da situação da sogra de Pedro, “estava de cama com febre”, incapaz de realizar a sua missão de servir a comunidade, Jesus interveio em seu favor. Aproximou-se, agarrou-a com força pela mão e levantou-a.

Na comunidade cristã, sucede com certa frequência, que alguns membros se deixam cair desanimados, desiludidos, numa fraqueza que os impede de imitar o mestre que veio para servir, para curar, para proclamar. A comunidade tem em si mesma, pela presença de Jesus, o poder de levantar os fracos, como lembra Paulo “com os fracos tornei-me fraco” para “ganhar os fracos”, “fiz-me tudo para todos, a fim de ganhar alguns”, custe o que custar. Para que todos, participando dos bens do evangelho estejam livres para servir os irmãos à imitação do Mestre.

Mas a força que vem de Jesus, capaz de levantar os fracos, destina-se a todos, por isso, a porta da comunidade está aberta, noite e dia, como uma luz de esperança, “a cidade inteira ficou reunida diante da porta”. Na hora em que as forças do mal entram em ação, há uma casa aberta de onde surge a luz da esperança para todos os que no meio sofrimento, como Job, vivem “noites de amargura”. Naquela casa aberta, os desiludidos podem ver nascer para eles um novo dia, uma luz que vence as trevas da noite e dá lugar à esperança. Ali, na casa da Igreja, Jesus torna-se presente à vida de todos os que experimentam o sofrimento sem encontrar o sentido, a razão, o para quê de uma existência breve e marcada pela angústia e pela incerteza, que faz desacreditar até os mais justos, como Job que se vê ameaçado pela desilusão perante a herança que lhe coube em sorte.

Aquele entardecer de sábado em Cafarnaum dá lugar ao primeiro dia da semana, o dia da ressurreição de Jesus, no qual os discípulos confrontados com Cristo ressuscitado sentem a urgência de anunciar a todos, incansavelmente e como uma obrigação que lhes foi imposta, o evangelho, sem privilégios nem direitos, apenas com o desejo de “ganhar o maior número possível”.
O evangelho é o poder que Jesus deixou nas mãos da Igreja, capaz de agarrar e levantar, cuidar e curar as feridas, e, por isso, não pode ficar fechado nas paredes do templo. Deve chegar a todas as povoações vizinhas e às “sinagogas” dos que ainda não creem.
“Ai de mim se não anunciar o Evangelho” não é apenas o grito de Paulo, mas o grito da Igreja inteira que quer participar nos bens do evangelho e não apenas escutar. É o grito da Igreja que recebeu o evangelho como uma imposição cuja recompensa é somente a alegria de fazer chegar a todos e por todos os meios a palavra que levanta os fracos.

Tal como naquele primeiro dia da semana, o da ressurreição, a comunidade cristã, a Igreja, é hoje no meio dos homens o sinal de esperança para todos os que sofrem, os que não encontram o sentido para as suas vidas, os que não têm força para se levantar, os que não se reconhecem a si mesmos como pessoas, os que não têm esperança, se souber anunciar a todos o evangelho de Jesus.

Rezar a Palavra

Peço-te, Senhor, pelas nossas comunidades, que elas sejam casas de porta aberta a todos e nelas, todos encontrem a tua força que agarra, levanta e devolve a esperança. Que o sofrimento do mundo encontre em todas as comunidades da tua Igreja o remédio do evangelho que cura, reconstrói e faz viver os que se encontram na noite escura da incerteza, da angústia e da desilusão.

Compromisso semanal

Vou fazer-me tudo para todos para ganhar o maior número entre aqueles que vivem os seus dias na incerteza.

Referência: aliturgia.com

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